Quatro Mulheres Curtas

 

Composição de imagem com recortes de Internet configurando elementos dos textos (os cabelos amarelo e o fundo azul são fotografias de pinceladas de Van Gogh) - Bira, 2011.

Quatro Mulheres Curtas

I - Ana Sentiu Saudade

Naquela manhã, Ana acordou, mas permaneceu uma hora deitada sob impacto do sonho confuso que tivera...

No sonho, duas espirradeiras carregadas de flores rosadas emolduravam a varanda da casa onde nasceu e viveu durante a infância. Parecia um cenário de filme romântico. Seus pais formavam um jovem casal que, na namoradeira, trocavam carícias e planejavam o futuro. Ela, uma criança que no jardim preparava comidinha para suas bonecas. Pedaços do sol vazavam entre as folhas de um cajueiro e dançavam pelo chão. O chão da terra batida, da folha seca, da dormideira e do gongolô. O chão desprovido asfalto ou cimento, onde zunia o peão e as gudes se chocavam. Onde flores suicidas se atiravam, só porque não foram presas entre os cabelos negros de sua mãe.

Eis que também despencou uma chuva violenta e impossível, destruindo o belo cenário e arrastando essa mãe. No repente, amendoeiras sombrias tomaram a vez do jardim e o sol amedrontado se escondeu atrás da última montanha. Ana ainda tentou recolher as bonecas e procurar um abrigo, mas elas se transformaram em pombos mortos. O susto fez Ana apunhalar o ar com um grito agudo e de eco infinito, até que seu pai a acudiu:

– Calma filha... Vamos sair daqui!

Quando Ana olhou para o pai ele já não era mais o jovem que namorava minutos atrás. Aparentava ter 50 anos. Percebeu que ela própria não era mais criança – tinha, corpo, voz e consciência de adulta. Percebeu que a tempestade sumiu e tudo mais desapareceu, restando apenas os dois numa sala sem cor, paredes ou limites. Abraçou o pai saciando uma enorme saudade, então lembrou que ele morrera há 10 anos e acordou. Seus olhos se abriram em lágrimas que a fronha solidária bebeu.

Naquela manhã, Ana acordou, mas permaneceu uma hora deitada sob impacto do sonho confuso que tivera... #



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Mundo Não Precisa de Você!

Nunca Mais Fiz Uma Crônica